jueves, 25 de agosto de 2011

RESTINJA DE JURUBATIBA parque en peligro en Rio de Janeiro

Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, no Norte do Rio, tenta sobreviver numa área de pressão social e econômica
RIO - No Norte Fluminense, santuário ecológico e progresso econômico são vizinhos de porta. De um lado, os 15 mil hectares restantes da restinga que, à época do Descobrimento, chegava ao Espírito Santo. Do outro, um adensamento populacional ávido por novas áreas para se expandir. O Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, único administrado pelo governo federal a preservar este tipo de vegetação, tenta se manter numa região que, com seus poços petrolíferos, produz 91% da energia do país.
Os méritos econômicos daquelas redondezas já são bem conhecidos e explorados. Da reserva, no entanto, quase nada se diz. Em parte porque ela é relativamente nova - tem apenas 13 anos - e se localiza num estado que já conta com cinco parques nacionais.
Apesar da juventude e da concorrência, Jurubatiba pode ter brilho próprio. Venha ele de sua complexa biodiversidade, venha de suas lagoas, uma atração à parte. São 18, de diversas cores - e o efeito não se deve à poluição. A Imboassica, por exemplo, tem água muito clara, quase transparente. A Comprida é avermelhada. O Lago do Atoleiro é tão escuro que alguém ali mergulhado, só com a cabeça acima da superfície, não consegue ver o próprio corpo. 
- Jurubatiba é uma relíquia, um mosaico de ecossistemas, de vegetações rasteiras, com brejos de água doce e salgada, temporários e permanentes - destaca o ecólogo Francisco de Assis Esteves, um dos maiores defensores do parque. É ele, também, que está à frente do Núcleo de Pesquisas Ecológicas de Macaé (Nupem/UFRJ), centro de estudos voltado basicamente para o estudo dos recursos biológicos da reserva.
Até hoje, 159 espécies de vertebrados terrestres foram encontrados em Jurubatiba - incluindo uma espécie inédita no mundo, o ratinho-goitacá. Há, também, espécies indesejadas, como os bois, que deixam a restinga em estado desolável. Outros efeitos ainda mais avassaladores são provocados pelas mudanças climáticas e pela falta de recursos. Sem funcionários e mais investimentos, as restingas, sobreviventes da ocupação do litoral pelos portugueses, podem sucumbir diante da especulação imobiliária e da agricultura.
Mais de 150 espécies, incluindo novo roedor
São precisos três homens para domar um ratinho-goitacá. Não por ser um animal assustador - o diminutivo faz jus aos seus 14 centímetros de comprimento -, mas pela agilidade com que se movimenta dentro de uma gaiola, seu lar há dois meses. Neste período, o roedor teve público fiel nos laboratórios de Ecologia da UFRJ. Todos querem conhecer a nova espécie de mamífero, descoberta entre as moitas de Jurubatiba. O ratinho projetou nacionalmente a reserva e enterrou teorias segundo as quais a restinga teria fauna e flora semelhantes à vizinha Mata Atlântica.
- Há uma fauna riquíssima na restinga - garante o ecólogo Pablo Rodrigues Gonçalves, descobridor do ratinho. - Antes, os cientistas consideravam-na uma mera extensão da Mata Atlântica. Vemos, agora, como estávamos enganados. 
Foram identificadas 159 espécies de vertebrados terrestres em Jurubatiba - a maioria (96) aves, embora também haja um número expressivo (35) de mamíferos. Além do ratinho-goitacá, outras atrações locais são o sabiá-da-praia e o rato-de-espinho. O belo canto do primeiro já o fez ameaçado de extinção, embora agora seja visto em boa quantidade dentro do parque nacional. O segundo, por sua vez, é mais raro do que o mico-leão-dourado e figura na lista vermelha da União Mundial para a Natureza (UCN). 
Um grupo de trabalho sediado em Macaé também está catalogando os morcegos da reserva. O mamífero ganhou atenção especial por ser o principal polinizador de diversas plantas, especialmente as noturnas, e contribuir para a dispersão de sementes. 
- A diversidade química das plantas também já mereceu muitos trabalhos - lembra a ecóloga Ana Petry, também do Nupem/UFRJ. - Estamos estudando plantas aquáticas com propriedades medicinais, como substâncias anti-oxidantes. A restinga é um grande laboratório. 
Em um ambiente picotado por lagoas e brejos, a circulação de nutrientes e o monitoramento da qualidade de água estão entre as curiosidades mais antigas dos pesquisadores. Na Lagoa Cabiúnas - a mais estudada do parque, ao lado de Garças e Piripiri -, os cientistas acompanham a quantidade de poluentes há mais de uma década. São locais limpos, mas, para continuar assim, precisam ter acesso restrito: a maioria não pode ser franqueada ao público. 
Gado e coqueiros devastaram o solo
Nem todas as espécies são bem-vindas em Jurubatiba. Algumas culturas exóticas, instaladas naquela área antes de sua transformação em parque nacional, ameaçam a sobrevivência de espécies locais e, no caso de plantas, provocam a contaminação dos solos e de lençóis freáticos.
O controle dessas espécies é dificultado pela falta de regularização fundiária de muitas áreas da reserva. Como alguns proprietários de terra ainda não foram indenizados, suas culturas agrícolas não podem ser retiradas.
Além de danosas ao meio ambiente, certas atividades, como a criação de gado e plantações de coco e abacaxi, sequer são lucrativas. O solo da restinga, muito arenoso, não oferece os nutrientes ou a quantidade de água necessários para o cultivo.
O ecólogo Rodrigo Lemes Martins, do Nupem/UFRJ, coordena a derrubada de um coqueiral vizinho à Lagoa de Carapebus, uma das mais belas regiões da reserva. Em 1998, quando o parque nacional foi criado, havia 8 mil coqueiros por ali. Pouco mais de mil ainda estão de pé.
- Achava-se que esta região poderia produzir coco com a quantidade e a qualidade existentes na Bahia, mas o solo é diferente e precisa de um siste$de irrigação mais caro - lembra. 
Os proprietários foram obrigados na Justiça a recuperar a área, o que é menos simples do que parece. A baixa disponibilidade de mudas é um obstáculo. Sua taxa de sobrevivência também não contribui com os pesquisadores - menos de 10% delas vingam.
A equipe do Nupem usou hidrogel para diminuir as perdas de água e nutrientes. Poleiros também foram instalados para atrair animais. Aos poucos, estima-se, a terra devastada pelos coqueiros dará lugar à vegetação rasteira, típica daquele local.
A criação de gado, segundo os pesquisadores, também contribuiu para a retirada de nutrientes do solo.
- Entre os animais, este é o principal problema: o gado entra na restinga, pisoteia tudo e, assim, muda a vegetação - lamenta Pablo Rodrigues Gonçalves, também ecólogo do Nupem.
Outras pragas, típicas da cidade, mostram como o crescimento urbano é uma ameaça à sobrevivência da reserva. O caramujo africano, que mata plantas por onde passa, compete com os caramujos locais; e as ratazanas vieram para Jurubatiba dos bairros sem planejamento ou saneamento que cercam o parque.
Mudanças climáticas expõem lagoas ao mar
À primeira vista, o Lago do Atoleiro lembra os piores cenários da Baía de Guanabara: é uma região de água parada e muito negra. A escuridão, porém, não é consequência de poluentes, muito menos má notícia para Jurubatiba. O Atoleiro recebe algumas das mais curiosas pesquisas da reserva, mas algumas das propriedades que despertam a curiosidade dos cientistas podem estar fadadas ao fim, condenadas pelas mudanças climáticas. 
O Lago do Atoleiro ganhou sua aparência de café superconcentrado devido à presença de substâncias húmicas, 20 vezes mais numerosas ali do que no Rio Negro, na Amazônia - que, como entrega o nome, tem águas escuras. Estudos recentes mostram que este material pode aumentar a longevidade e crescimento de diversos organismos, além de deixá-los mais resistentes a estresses, como a exposição à água salgada. 
Em experimentos realizados no verme C. elegans- muito usado em pesquisas de biologia, por ter genoma conhecido -, as substâncias húmicas induziram à ação de um gene anticâncer. 
- Estas substâncias têm potencial anticarcenogênico, ou seja, elas poderiam suprimir tumores - explica Albert Suhett, biólogo e pesquisador do Laboratório de Limnologia da UFRJ. - Também foi observada, em peixes, a redução de infecções por parasitas. 
Os ambientes de água escura, no entanto, podem ser degradados pela luz solar. E, se mais raios ultravioleta entrarem na atmosfera com mais intensidade nas próximas décadas - algo perfeitamente plausível, segundo as projeções climáticas -, o Atoleiro pode passar por um processo de embranquecimento. E as substâncias húmicas, cuja aplicação em medicamentos ainda está sendo estudada, correriam risco.
- É bom ressaltar esse risco porque, assim, agregamos um valor econômico à necessidade de conservar Jurubatiba - avalia Pablo Rodrigues Gonçalves, ecólogo da UFRJ.
Segundo os modelos climáticos mais estudados, o Sudeste brasileiro verá suas precipitações passarem por mudanças.
- O índice de precipitação pode até continuar igual, mas haverá menos dias de chuvas e elas serão mais intensas - alerta Suhett. - Trata-se, aliás, de algo já visível no Rio.
As tempestades podem provocar transbordamento das lagoas de Jurubatiba. Como elas são muito próximas, ambientes que comportam fauna e flora diferentes entrarão em contato. Este fenômeno provocará uma perda da biodiversidade vista atualmente na reserva.
Além de perto uma das outras, as lagoas, que têm água doce, estão a uma curta distância do mar.  
- A reserva é uma área costeira, que sofrerá com o aumento das ressacas - destaca Suhett. - A água salgada e os peixes marinhos entrarão de forma desordenada nas lagoas, provocando mudanças irreversíveis na fauna e flora locais. 
Em terra firme, o panorama também seria crítico. Grupos de pesquisa já analisam se as variações nas chuvas, cada vez mais imprevisíveis, influenciariam a população de certas espécies.
Gonçalves coordena levantamentos que mostram como os mamíferos de pequeno porte respondem às mudanças climáticas.
- Entre os animais que acompanhamos está o ratinho-goitacá, só conhecido aqui, na reserva - ressalta. - Queremos saber como as populações variam ao longo do ano, e se isso é uma resposta dessas espécies ao clima. 
A distribuição das precipitações não afeta diretamente muitas plantas da restinga, porque elas têm raízes profundas e absorvem a água do lençol freático. Há, no entanto, casos peculiares, como o das bromélias. 
- Os anfíbios, que vivem dentro da planta, poderão ter dificuldade de encontrar refúgio, um lugar onde possam viver e se reproduzir, em época de estiagem - pondera Suhett. - Estes anfíbios e microcrustáceos se alimentam de insetos e servem de alimento para répteis e aves. Portanto, se sua população mudar muito, com outras ocorrerá o mesmo. 
Essa preocupação fez o Laboratório de Limnologia da UFRJ lançar um experimento, no parque, com a planta. Os pesquisadores isolarão uma pequena área, na reserva, com tendas plásticas. Ali, a chuva natural não entrará. Toda a água virá do regador dos cientistas. 
- Vamos simular diferentes cenários de concentração de chuvas - revela Suhett. - As bromélias serão regadas com diferentes frequências e intensidades. Será possível ver como as mudanças climáticas previstas com a concentração das chuvas podem afetar os animais que usam essas plantas.
Tráfico e caça são ameaças constantes
Um ano atrás, os traficantes do bairro de Lagomar, em Macaé, baixaram uma ordem no Parque de Jurubatiba: na guarita mais próxima, a principal da reserva, só eles poderiam andar armados. Os vigias da unidade de conservação fizeram uma retirada estratégica, só encerrada para valer há três meses, quando voltaram a patrulhar aquela entrada - embora ainda sem pistolas. 
Esta não foi a única marca deixada pelos bandidos na restinga. O bando levou o portão de entrada do parque e, não muito longe dali, próximo à mata, abandonou três corpos.
Além de traficantes, outros criminosos rondam lagos e a vegetação rasteira de Jurubatiba. Caçadores queimam a vegetação atrás de jacarés e capivaras, pescadores insistem em frequentar lagos onde sua atividade não é autorizada, banhistas deixam lixo para trás. Para dar conta desse contingente fora-da-lei, a reserva conta com apenas quatro funcionários, sendo que dois estão prestes a se aposentar. E, dos demais, apenas um pode emitir multas.
O plano de manejo do parque, aprovado em 2008, instituiu que a segurança local deveria ser garantida por 30 funcionários. Chefe da reserva, Carlos Alexandre Fortuna já fez um sem-número de viagens para Brasília atrás de reforços. Tanto que nem tem mais esperanças de cumprir a meta inicial.
- Se conseguir dez servidores, já trabalho tranquilamente - assegura. - Poderia colocar equipes fixas em cada município. 
O efetivo minguado impede que diversos projetos, como os de educação ambiental e manejo de lagoas costeiras, saiam do papel. Fortuna só consegue boas notícias nas prefeituras vizinhas, que montaram destacamentos ambientais em suas guardas municipais. Estes vigias, no entanto, tampouco podem emitir autos de infração.
Assim como os recursos humanos, o caixa também é reduzido. Jurubatiba conta com apenas R$ 2 mil mensais para sua manutenção. Fortuna atribui a pouca verba à concorrência: para ele, pode demorar para uma reserva tão nova estabelecer-se em um estado que já conta com outros quatro parques nacionais - Itatiaia, Serra da Bocaina, Serra dos Órgãos e Tijuca.
- Ficamos meio esquecidos, mas precisamos sonhar grande - pondera. - Fomos incluídos no roteiro de visitação turística da Copa do Mundo. Macaé tem aeroporto e é próxima ao Rio. Temos méritos para atrair os estrangeiros e fazer um turismo diferente ao que recebemos hoje, que é basicamente local e recreativo. 
Atualmente, quem passa pela guarita outrora na mão dos traficantes vem apenas para tomar banho nas lagoas. Fortuna sonhar em erguer uma infraestrutura que transforme todo o parque em um passeio. E, como os recursos são mínimos, já conversa com parceiros. Com a Petrobras, quer erguer um centro de visitantes na Lagoa de Jurubatiba, a principal da reserva. Ao redor estarão quiosques, ciclovias, iluminação especial, lanchonete, estação de tratamento de esgoto e uma torre de observação de incêndio - tudo por R$ 4 milhões, saídos dos cofres da empresa petrolífera. 
- Esta lagoa já recebe, no verão, 3 mil pessoas por dia. Se tivermos estes equipamentos à disposição e conseguirmos impedir o acesso com motos, algo ainda comum, não haverá qualquer agressão ao meio ambiente - assegura. - No futuro, poderemos até cobrar ingresso do visitante, como fazem outros parques nacionais, e investir o dinheiro na reserva. 
As obras, que ainda não começaram, devem ser concluídas em maio de 2013. Já os outros empreendimentos, como os centros de visitantes de Quissamã e Carapebus, ainda são uma incógnita. Na primeira cidade, a área destinada para o projeto é de um loteamento particular, e seu proprietário ainda não foi indenizado.
Frequentador da região há quase duas décadas, desde antes de sua transformação em parque nacional, o fotógrafo e ambientalista Rômulo Campos reconhece as realizações obtidas por Fortuna. Sabe, no entanto, que outras precisarão de anos - e recursos - para produzirem resultados.
- Ainda tem muita gente que caça jacaré para fazer churrasco. São mudanças culturais, que não ocorrem de um momento para o outro - avalia. - A direção atual é guerreira, mas dar conta da extensão do parque, com o efetivo disponível, é praticamente impossível. 
Para Campos, uma vitória de Fortuna foi fazer os municípios-sede da reserva enxergarem-na como um polo de atração de investimentos e turistas. 
- Não muito tempo atrás, as prefeituras só viam o parque como um entrave para o desenvolvimento - lembra o ambientalista, que vai lançar, em meados do ano que vem, "Parque de Jurubatiba", um livro de fotos sobre a região. 

Tomado de O GLOBO BR

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