Livro reúne pesquisas sobre os efeitos do ecoturismo em
animais
Entre os efeitos estaria o aumento do estresse devido ao
contato frequente com humanos. Obra também sugere boas práticas para visitantes
e agentes
A proximidade com os turistas pode deixar os animais mais
vulneráveis aos predadores, mostra uma das pesquisas
Cadeiras de plástico à beira do rio, latinhas
amassadas jogadas à terra e visitantes alimentando peixes e outros animais. O
cenário não é incomum quando o destino são paisagens naturais. Erros ou falta
de administração e pouca consciência ambiental de turistas estão entre as
razões do problema. Porém, até mesmo o ecoturismo, atividade que busca impactar
o menos possível o meio ambiente, pode causar mudanças nas populações de
animais, incluindo o aumento do risco de extinção de espécies. É o que mostra o
livro Ecotourism’s promise and peril: a biological evaluation (Promessa e
perigo do ecoturismo: uma avaliação biológica, em tradução livre), lançado
recentemente pela editora Springer e ainda sem versão em português.
A publicação reúne trabalhos sobre os tipos de impacto
causados pela presença do ecoturismo na vida selvagem e traz uma nova leitura
de dados já conhecidos sobre o assunto. “Tem coisas que decorrem da mera
presença do turista. Só o fato de ele estar lá gera um estresse”, afirma
Eduardo Bessa, professor do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da
Universidade de Brasília (UnB) e um dos autores do livro. Ele e outros três
cientistas — o brasileiro Diogo Samia, pesquisador de pós-doutorado no
Departamento de Ecologia da Universidade de São Paulo (USP), Benjamin Geffroy,
do Instituto Francês de Pesquisa para a Exploração do Mar (Ifremer), e Daniel
Blumstein, da Universidade da Califórnia, Los Angeles — escolheram estudos de
20 pesquisadores para compilar o livro.
A obra traz algumas informações inéditas, como um estudo
sobre a criação de neurônios em um tipo de peixe encontrado em ambientes
turísticos. Conduzida por Eduardo Bessa e Benjamin Geffroy, a pesquisa
mostra que os indivíduos da espécie Odontostilbe pequira, de nome popular
tetra, chegam a criar mais neurônios para lidar com o desafio de interagir com
visitantes. Isso ocorre porque eles apresentam maior expressão de genes ligados
à criação neuronal, o que pode deixá-los mais inteligentes. Não se sabe, porém,
as consequências desse processo a longo prazo. A pesquisa, feita em Nobres, no
Mato Grosso, aguarda a avaliação de uma revista científica para ser divulgada
com detalhes.
Outro impacto detectado — claramente negativo — é um
possível aumento no estresse de espécies que vivem em locais visitados. As
populações dos peixes Moenkhausia bonita e Crenicichla lepidota — conhecidos
popularmente como lambari e joaninha, respectivamente —, de áreas turísticas,
têm níveis mais altos de cortisol, o hormônio do estresse. “Eles, sem motivo,
estão em um nível de tensão tão alto que parecem executivos. Isso baixa a
resposta imune e deixa os bichos mais suscetíveis a doenças”, explica Eduardo
Bessa. Publicada em 2014 na revista Neotropical Ichthyology, a constatação foi
feita por Ana Carolina Lima, à época, da Universidade de Aveiro, em Portugal, e
atualmente pesquisadora da Universidade de Calgary, no Canadá.
Até a reprodução dos animais pode ser afetada. Eduardo Bessa
e a pesquisadora Eliane Gonçalves-de-Freitas, da Universidade Estadual
Paulista, publicaram, também em 2014, na revista Tourism Management, resultados
de uma pesquisa que mostra que as fêmeas de Joaninha relutam em depositar seus
ovos nos ninhos, feitos pelos machos, em locais com a presença de turistas.
Elas consideram, por exemplo, a ameaça de pisoteamento. “Todos esses trabalhos
que mostram os impactos do ecoturismo nunca foram feitos no sentido de
proibi-lo, mas de fazê-lo melhor do que já é. O livro é uma convocação para
pensarmos o turismo também como atividade que causa pressão no ambiente”,
ressalta o professor da UnB.
Alternativa sustentável
Segundo os autores, mesmo com os possíveis impactos
ambientais da atividade, o ecoturismo é uma ferramenta muito importante para a
preservação da natureza e uma grande oportunidade do ponto de vista econômico.
Mas é preciso, ressaltam, entender os efeitos dessa atividade para melhorá-la.
Por isso, o livro também traz informações para que agências de turismo e
visitantes possam aproveitar o meio ambiente de forma sustentável.
“Vamos pensar em um atol, um recife de coral. Você poderia
explorá-lo em termos de mineração, cálcio, fazer pesca intensiva. Com essas
alternativas, praticar turismo é muito menos prejudicial”, compara Eduardo
Bessa. “Do ponto de vista da conservação, o ecoturismo é frequentemente mais
desejável do que atividades como a urbanização, a agricultura e a mineração.
Isso não quer dizer que todos os seus impactos sejam aceitáveis ou
irrelevantes”, completa o também autor Diogo Samia.
O pesquisador da USP ressalta que, ao se balancear os três
aspectos inerentes ao ecoturismo — ambiental, social e econômico —, a atividade
se torna a melhor prática de exploração de ambientes naturais. Diogo Samia
participou, com os outros autores do livro, de uma pesquisa que mostra como a
presença do turismo pode deixar os animais mais vulneráveis a predadores.
Segundo o estudo, publicado em 2015 na revista Trends in Ecology &
Evolution, a proximidade dos humanos pode diminuir o número de predadores em um
local, tornando as possíveis presas menos atentas. Além disso, animais
acostumados com pessoas podem perder o medo de outros bichos, virando alvos
fáceis.
Novos hábitos
Segundo os pesquisadores brasileiros, algumas práticas
comuns entre agentes de turismo podem aumentar o dano aos locais visitados,
como alimentar os peixes, permitir que os visitantes saiam da trilha ou
perseguir os animais. O livro traz soluções pontuais a fim de que esses hábitos
sejam amenizados ou eliminados. Controlar o número de visitantes, evitar
práticas agressivas e sons altos estão entre as medidas sugeridas.
A conscientização do próprio turista também é lembrada: não
sair das trilhas, buscar sempre empresas conhecidas pela preocupação com o
ambiente e cobrar essas práticas quando não estiverem presentes. “Nós nos
embasamos nas últimas décadas de estudos sobre os impactos gerados pelo
ecoturismo e sugerimos boas práticas”, afirma Diogo Samia. “Sugerimos ações
rigorosas contra a poluição e a introdução de espécies exóticas, propomos
evitar ao máximo alimentar e tocar os animais e, ainda, o monitoramento
contínuo das comunidades naturais.”
Brasil em alta
De acordo com a Embratur, o Brasil é considerado pelo Fórum
Econômico Mundial como o país com mais atrativos naturais para o turismo nos
últimos três estudos sobre o tema. Ter a maior biodiversidade de espécies do
mundo, distribuídas por seis biomas e três grandes ecossistemas marinhos, é o
grande chamariz nacional. O órgão afirma ainda que 16,6% dos estrangeiros que
nos visitaram a lazer em 2016 buscaram especificamente a natureza, o ecoturismo
e a aventura.
Quatro perguntas para
Eduardo Bessa, professor do programa de
Pós-Graduação em Ecologia da Universidade de Brasília e um dos autores do
livro Ecoturism's Promise and Perfil — A Biological Evaluation
A proximidade com os turistas pode deixar os
animais mais vulneráveis aos predadores, mostra uma das pesquisas
Quais são os impactos do ecoturismo em animais?
Eu vou dar alguns exemplos em peixes, mas que extrapolam
para outros grupos. Tem mudanças no nível fisiológico, como a expressão de
genes ligados à neurogênese. Os bichos ficam, de certa forma, mais
inteligentes, eles desenvolvem tecido neuronal para aprender a lidar com aquele
desafio novo, meio caótico e aleatório, da presença dos turistas. O animal
também tem a expressão do cortisol, o hormônio do estresse, muito mais alta.
São bichos estressados, que se assustam com qualquer coisa. Eles, sem motivo,
estão em um nível de tensão que parecem executivos. Isso baixa a resposta imune
e deixa os bichos mais suscetíveis a doenças. No nível comportamental, esses
bichos se tornam mais dóceis a humanos, a gente deixa de assustá-los. Peixes
territorialistas, que brigam com outros e isolam um território onde só eles e
as parceiras reprodutivas podem entrar, deixam de defender seus territórios,
tornam-se mais medrosos.
Essas mudanças podem ter consequências para o ambiente?
Há uma série de mudanças comportamentais, e elas se refletem
em mudanças ecológicas. Por exemplo, tem um peixe em Mato Grosso, a
piraputanga, que o pessoal gosta muito de dar ração para o bicho chegar mais
perto do turista. Só que ele é um dispersor de sementes muito forte. Como está saciado
pelo alimento dado pelos turistas, deixa de prestar esse serviço ambiental.
O que as empresas turísticas podem fazer para diminuir
esses impactos?
Tem coisas que decorrem da mera presença do turista. Agora,
depende muito do que o turista está fazendo. Passarem cinco pessoas e passarem
150 são coisas completamente diferentes, assim como passar um grupo silencioso
e um barulhento. Um grupo que fique muito tempo nos lugares também tem outro
impacto para o bicho. Controlar o número de visitantes e o tempo que eles ficam
com os animais seria uma medida bastante interessante. Reduzir práticas
agressivas também, algumas empresas perseguem baleias e golfinhos para chegar
mais perto deles. Deixar o bicho em paz já seria um excelente começo.
E como o turista pode contribuir?
Sendo o menos barulhento possível. Em todos os sentidos, não
só no sonoro. Uma roupa muito colorida dentro de uma mata é tão barulhenta,
visualmente, quanto uma pessoa falando alto ou ouvindo música. Evitar sair das
trilhas oficiais, acampar onde não é destinado a isso ou, pior ainda, fazer
fogueira. E, se a empresa turística não está com esse foco, ser o cara chato
que vai cobrar isso. “Escuta, mas será que é adequado a gente dar comida para
esses bichos? Será que é adequado a gente perseguir ele? A fêmea está com
filhote ali, será que é legal a gente fazer isso?”. Eu gostaria de reforçar
isso: façam turismo na natureza, vão visitar as chapadas, visitar, que seja, a
Água Mineral, a região da Amazônia. É interessante praticar o turismo de natureza,
assim como é interessante ser um turista crítico, que vai cobrar práticas
interessantes dos agentes turísticos para que a visitação seja bacana e
vantajosa também para quem está sendo visitado.
“É interessante praticar o turismo de natureza, assim como é
interessante ser um turista crítico, que vai cobrar práticas interessantes dos
agentes turísticos para que a visitação seja bacana e vantajosa também para
quem está sendo visitado”
* Estagiário sob a supervisão da subeditora
Carmen Souza tomado de correio brasiliense
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